sábado, 21 de maio de 2011

Cap. 1

Brasília em Agosto é um teste pra todo mundo. Não tem feriado, não tem umidade, não é normal nada acontecer nessa cidade já que fica sanduichado entre o 7 de setembro e as férias, enfim, um saco. Foi por isso que quando a Marina falou que a casa dela ficaria vazia durante três dias naquele mês eu já armei tudo com antecedência para um feriado estendido forçado criado apenas para nossa própria satisfação.

Eu sabia que ela até tinha umas coisas pra fazer, mas não fui muito complacente. Pra me assegurar que o nosso próprio spring break candango antecipado seria completamente sem preocupações, peguei logo uns 20 gramas de maconha com o dealer das quadrinhas. Não um guardador de carro, eu já não era mais nenhum virgem. Mas não dá pra se gabar de pegar maconha com um cara que vende nas ruas, independente de qualquer coisa. Mas a maconha desse cara tinha toda uma magia nela, valia a pena gastar um pouco mais e empreender um certo esforço de esperar pacientemente o dia certo da semana para fazer as compras.

Sei que bolei o plano todo nas coxas, como basicamente tudo que fiz durante esse período, mas juro que escondi o que pude dela sobre o assunto. Falava com bem mais pompa do que minha recente experiência levava a crer. Segurança é gogó nessa loucura sem sentido que é colocar o pé fora de casa, é a única coisa que tenho segurança. Comprei a maconha cinco dias antes, esconder em casa era supertranquilo já que minha mãe não notava as coisas que aconteciam nem quando eu não tentava esconder. Bolei o plano de acobertamento que dividi com Marina nos dias da semana que antecederam a quinta fatídica em que cheguei na UnB na hora do almoço apenas para subir o longo e árido caminho do minhocão até a L2.

Iríamos eu, ela e Gabriel para a casa dela de ônibus para ter certeza que, quando chegássemos, a mãe dela já tivesse saído. Como havia a minúscula possibilidade de todo o fim de semana ir por água abaixo por um pequeno imprevistinho, disfarçamos essa coceirinha pequena, quase insignificante, com um papo estranho sobre Led Zeppelin.

  • Cara, num tem como você dizer que as letras não são farofa

  • São não, fi, são muito grandes, saca...

Na real nem eu saco exatamente o sentido de grande, que é quando a música parece mirar multidões, sabe? Enfim, Marina estava tão interessada nisso que suas participações na conversa foram bem pontuais, aquelas risadas que significam “Tô aqui”. Normalmente ela até traria à tona um assunto pertinente dentro do assunto mas, novamente, era Agosto e estávamos caminhando com mochilas de aluno da UnB até a L2, então esperta ela de ter mantido a boca fechada poupando a pouca umidade que a boca sempre guarda como supertrunfo. Eu mantinha a conversa por ter sempre que arrumar uma forma de distrair minha cabeça, já que ela meio que se recusa a ficar quieta. Naquela situação ela provavelmente gastaria muito tempo com a secura e ficaria difícil chegar na casa da Marina com o humor certo pra manter minha fama de bad-trip-free. Precisava ser Led.

Subimos a L2 até rápido, cortando caminho pelos jardins da FT e subindo por uma pista do lado de uma obra que eu sinceramente acho que estava lá desde que comecei a UnB, mas 3 anos é tempo mais que suficiente pra fazerem um hospital, shopping, ou seja lá que porra aquele prédio deveria abrigar. Quando chegamos na parada, ainda estava coalhada de alunos do CEAN. Pelo meu tino já fiquei desconfortável querendo evitar esparro. Medo de novato ainda, mas acho que algumas coisas que você pega tarde não mudam. Foi então que, não sei se pelo calor, pela seca, pelos meninos do CEAN por perto, puxei um cigarro pra me afastar da multidão, seguido por Marina e Gabriel com seus cigarros. Ou Gabriel não tava fumando. Sei lá.

  • Véi, como a gente vai fazer pra esconder o cheiro de beck?

  • Ah Marina, eu já te disse umas 4 vezes, meu, relaxa.

  • Mas véi, num tem nada que disfarce o cheiro?

  • Tem, mas não precisa. Confia em mim, eu fumo em casa e ninguém sabe.

Olha, em minha defesa, minha mãe não sabia que eu fumava em casa. Só cigarro, tadinha. E ainda assim só na varanda. Eu sabia como não deixar vazar pelo menos, já tinha fumado dentro de uma cabana de edredon usando uma vela como chama, pro edredon tapar o cheiro e a vela eu realmente não sei o que diabos estava passando pela minha cabeça na hora. Nem o que iria fazer quando aquela fumaça começasse a irritar meus olhos enfiado num espaço minúsculo e produzindo fumaça. Mas quem aguenta isso é porquê tá testando os limites dessa área de segurança.

Além disso, na real, Marina tinha muitas preocupações dela própria. Esconder o seu beck é uma coisa morando nas RAs, mas o trampo de quadra funcional, ainda mais do exército, torna tudo meio paranóico. Ainda mais quando todo mundo ali tirando eu estava começando nessa coisa de puxar um. Ah, como é lindo ver um pouco de paranóia saudável externa, já que pra cada um com esse senso de preservação intacto nesse mundo, rolam tantos outros que parecem não ter um pingo de apego à vida.

Falando em falta de apego à vida e das preocupações de Marina, uma semana antes do fatídico dia tinha rolado um happy hour na UnB em que, horas antes de começarmos, pela hora do almoço, eu e outra amiga nossa, Cecília, decidimos nunca mais ficar sóbrio, promessa que cumpri por um delicioso tempo de 2 meses onde as coisas hoje já não estão mais muito claras. Estava cumprindo minha promessa então por uma semana no fatídico dia, algo que preocupava Marina um pouco. Eu imagino que ela tenha notado o tom de brincadeira na promessa que eu e Cecília fizemos, mas ela também sabia que adoraríamos manter a promessa enquanto fosse fisicamente possível tal. E por mais que tudo fosse baseado na ideia de um feriado forçado sem preocupações isso é ilusório. Sempre. Alguém tinha que estar em condições. Mas é aí que reside o erro do novato, em achar que um kick vai te deixar louco o suficiente pra ficar incapacitado por horas. Na real você fica capaz de fazer basicamente qualquer coisa que, como estudante universitário, você tenha que fazer. No máximo seria ideal você não precisar de foco por umas horas, então trabalhos ficam meio que adiados.

Tinha também um pequeno probleminha menor, mas importante mencionar, envolvendo segurança. Marina era uma guria de álcool, e álcool e maconha não são nenhuma goiabada e queijo. Aliás, tá mais pra feijoada e couve: você fica pesado, sem vontade de fazer nada e passa o dia seguinte inteiro peidando sem parar. E ambos já sabíamos disso. Quando Marina me avisou que na casa dela rolava um bar, inclusive, com uma orloff só esperando nossa chegada, tremi nas bases. Negócio é que desde que comecei a beber eu tenho um sistema com bebida bem específico: de preferência nunca beber com outras drogas envolvidas, a menos que o fim específico da droga seja misturar com algo pra dar o kick é uma das principais, estilo item do artigo 5. Mas em mesmo grau de importância está “nunca recusar uma chance de beber, ainda mais se não tiver que pagar por isso”. Minha decisão acabou sendo a de lidar com o problema jurídico mais tarde, depois de avaliar melhor o processo, pois valia a pena se poupar para entregar energia à assuntos que importavam enquanto a sobriedade de alguns ainda estivesse por perto, como organizar o esparro antes de acender a bomba e outras coisas importantes quando não se pode ser pego. Ses ficam para o momento em que os quandos viram é.

O busão passou rápido até na L2 aquele dia, algo que atribuo ao fato de ter acendido um cigarro. Há uma estranha lei da Física ainda a ser descoberta que explicará como o ônibus sempre aparece quando você acende um cigarro, a menos que seus cigarros estejam no fim, o que me leva sempre a ter um maço de reserva onde quer que eu vá. Puto, caminhei com o cigarro pro meio da parada, afastando uns apressadinhos que ficaram esperando em pé na frente da parada com a fumaça e entrando primeiro no ônibus com os dois companheiros. Sentei suado no lado escuro esperando que Marina fosse sentar com Gabriel no banco da frente, mas ela sentou do meu lado mesmo. Gabriel aproveitou a chance e dormiu o sono dos justos nos 15 minutos de trajeto na L2 pra W3 norte. Eu e ela começamos um papo para aliviar a tensão da nossa primeira experiência psicotrópica de longa duração juntos. O mais próximo disso que tínhamos feito até então foi uma noite à base de benflogin, mas ninguém mais ali era adolescente. Não na idade nem no que foi feito dela.

Até hoje não sei se naquele fatídico dia rolava esse feeling de excitação, pra ser sincero. De minha parte, nunca ligo para o que deve ocorrer, mas para o que pode ocorrer, o que torna qualquer saída sempre uma delicinha de ser gravada. Da parte dela eu juro que não faço a menor ideia, mas empatia nunca foi meu forte. Sei lá, ela sempre empolgada por novas saídas, gosta de conversar sobre o assunto e temos uma caralhada já de coisa vivida juntos, inclusive fumávamos juntos hà mais de um ano, mas ainda assim ela parecia sinceramente empolgada, como uma criança danada mesmo, por esse momento. O papo ao chegarmos na quadra dela tinha estranhamente chegado no Usher e aquele cd famosinho dele que todo mundo parecia estar ouvindo em 2004, que Marina assumiu ter um. O tempo que levamos da W3 até a casa dela foi conversando sobre esses fenômenos que rolaram e nossas impressões, algo leve como entrada pro prato principal.

  • Eu pagaria pra ir num show da Britney Spears!

  • Olha, eu admiro, acho que eu também pagaria pelo espetáculo, mas só se não me tirasse a chance de ver algo que eu gostasse mais.

  • Cara, você tava falando de Led Zeppelin agorinha...

  • Ah, Gabriel, tem toda uma estrutura, é um espetáculo. Não encaro como coisa de música muito mais que como evento, saca? E meio que cresci ouvindo, então...

Entrei no elevador meio constrangido, eu com certeza pagaria por um show da Britney Spears.

  • Gabriel, você vai fumar?

  • Nah, tô muito cansado. Vou ficar no computador.

  • Você avisa pra gente se tiver vazando cheiro?

  • Claro, claro, pode relaxar.

Não, não pode. Mas relaxamos mesmo assim. Subimos, comemos algo, matamos uma garrafa de coca e levamos dois copões de água pra dentro do quarto de Marina. Arranquei meu fichário da mochila e comecei a bolar em cima da cama dois becks com tabaco, pra disfarçar o cheiro, enquanto ela fechava as janelas e persianas, ligava o ventilador, tapava a fresta da porta e colocava um vinil do Rubber Soul que conseguiu fora do país na vitrola. Sim, ela tinha uma vitrola no quarto. Acendi um beck no momento em que o barulhinho de disco arrancado deu lugar à voz do Paul. Demos a largada para o completo ócio.

O primeiro beck do dia sempre bate mais forte. Lembro vagamente das primeiras meia horas, lembro que o Rubber Soul acabou e, na minha cabeça, o beck tinha acabado de ser apagado. Tava já bem distante do que eu chamaria uma brisa e por alguma razão ainda debatíamos sobre a discografia dos Beatles. Ela falava que era o Abbey Road, ou Revolver, e eu me segurava ao Rubber Soul. Não sei como devia ser no tempo dos meus pais isso, provavelmente era algo bem mais palpável o papo de música. Mas hoje, em dias de internet, industria, fica fácil fazer seu próprio caminho em busca das músicas que você deve manter para ouvir sozinho ou com mais gente. E facilmente esses caminhos levam aos Beatles. E é sempre uma história própria que leva a ouvir várias bandas, mais Beatles é aquela banda que todo mundo já ouviu falar sobre. Tem quem goste pelo contexto, tem quem goste pelo impacto, tem quem não goste e tem quem simplesmente goste porquê as músicas são ótimas. Meu grupo incluso. O Rubber Soul não é meu álbum preferido deles por causa da maconha que eles fumavam naquela época, é meu preferido porquê quando eu escuto In My Life eu tenho vontade de chorar.

De qualquer forma o papo continuou sobre a discografia dos Beatles mais um pouco, mas quando o álbum terminou pela primeira vez eu passei a me concentrar menos no papo e mais na pala. Como eu falei, aquela maconha tinha uma magia. A luz entrava pela persiana, formando listras visíveis de luz que destacavam a fumaça no ar, escapando da luz pra voltar de novo com uma baforada inspirada do cigarro. Quando você fuma algo sem filtro, fumar algo com filtro fica tão mais fácil que você acaba aumentando inconscientemente a quantidade de cigarro fumada, esquecendo que a quantidade de fumaça não diminui, mas quanto mais fumaça de tabaco melhor, já que o cheiro de tabaco era preferível ao de maconha caso a mãe dela cheirasse as cortinas, uma possibilidade real por incrível que pareça. O cheiro ia impregnar naquelas cortinas como a música do Rubber Soul tava impregnando em mim, já tava lacrimejando com Nowhere Man quando sugeri que mudássemos o som. Pode ser que fosse a fumaça irritando meus olhos, mas a música também já tava no seu segundo round. Já tinha cumprido seu papel.

Passamos então um bom tempo sentados escolhendo vinil, uma tarefa que tomou mais tempo do que imaginei a priori. Cresci com uma coleção legal de vinis ao meu redor, mesmo eu não conseguindo mais resgatar nenhum além dos clássicos infantis. Os de Marina eram outro caso, além de uma boa fatia da discografia dos Beatles, haviam outros vinis também bem legais. Mas estávamos ainda no kick do primeiro do dia, então escolhemos não pela música, mas por razões externas, um vinil da Ângela Rô Rô. Ouvir música lésbica numa tarde seca de Agosto com um belo copo d'água enquanto trocávamos uma ideia sobre como era ser homo era um programa atrativo o suficiente para manter pela tarde toda, já que à noite sairíamos para uma festinha na UnB. Eu sei que a ideia era curtir sem preocupações com o amanhã, mas eu podia ter pelo menos lembrado que Beatles, MPB sapatão e maconha não são os ingredientes para um aquecimento de festa, mas a vontade que eu tinha era de ficar naquele papo nostálgico sobre um tempo que nenhum de nós tinha vivido até o outro dia chegar. Maconha é algo que te deixa muito diurno, de noite o melhor é procurar outras coisas mesmo, inclusive álcool, e não era nem 4 da tarde quando desisti de sair naquele dia. Fato consumado, se quisessem, saíssem sem mim. Ficaria muito bem com meus luckies, internet mega rápida e cama king size, onde dormiria.

Daí meio que do nada uma amiga da Marina que havíamos chamado não me lembro quando deu as caras com mais duas amigas que ainda não conhecia.. Na real ainda não conhecia muito bem nem ela na época, mas era 3 e alguma coisa da tarde quando o interfone tocou e Gabriel foi atender. A amiga dela tinha um sotaque bem notável e eu adoro sotaques. Na real o sotaque dela era mais uma particularidade da fala lésbica que aprendi a notar e classifiquei como um sotaque dyke.

  • Véi, tá mó cheirão de maconha no corredor.

  • Porra Gabriel, cê falou que ia avisar.

  • Ele fumou? (- Pô, eu tava com o fone no youtube, nem senti nada)

  • Não, só a gente.

  • Tem mais um pronto, gata.

  • Ô, gato, muito obrigado.

  • Posso acender?

  • Deve!

Fechamos a porta e começamos um papo sobre a festa que ia rolar mais tarde. Bem, mais sobre o que faríamos antes da festa. Combinamos um tradicional aquece pré festa com as cervejas que elas tinham trazido e as que tínhamos em nosso poder. Depois começamos a falar sobre a festa mesmo, um quase nada de papo antes que o beck terminasse e estivéssemos de volta nos trilhos, eu e Marina, agora com mais uma companheira de beck e duas companheiras no álcool. Gabriel dormiu nesse ínterim, algo que respeitamos e mantivemos a porta do quarto fechada enquanto falávamos das expectativas para a noite. Essa festa iria ter sua última edição depois de mais de dez, o que é um feito e tanto nessa cidade. As pessoas em Brasília estão sempre procurando uma novidade, sempre atrás de um local que sirva às demandas pelo circo, já que o pão aqui sobra, sem se tocar que não importa a origem da festa, a temática, a frequência, o dia em que ocorre, a verdade é que os mesmos rostos estarão circulando pelos mesmos locais cuidando de seus assuntos, e qualquer tentativa de novidade vai falhar miseravelmente, já que o feeling familiar dificilmente vai sumir se você estiver num local limitado cercado de rostos conhecidos. O que aliás é bom, já que o que sempre se ouve sobre Brasília vindo de fora é sua falta de cara e falta do que fazer.

Mas enfim, a festa ia ser a última de uma sequência vencedora e as apostas andavam até altas sobre o que rolaria. Eu, que conhecia uma galera por trás, sabia que ia ser provavelmente a mais lascadinha de todas. Mas tinha alguma coisa no papo da amiga da Marina que tava me empolgando muito. Talvez o fato dela ter lembrado a hora às 4:20 tenha facilitado nossa conexão, talvez o fato das amigas dela serem legais e uma tenha me ajudado a fazer um brigadeiro usando meu cemintério após o segundo beck tenha servido também de incentivo. Negar tais coisas seria hipocrisia. Mas para mim pelo menos, a graça naquilo era ver que mais gente também estava disposta a continuar curtindo o momento, que aquelas meninas estavam dispostas a terem a melhor noite possível naquele dia independente dos prognósticos. Então foi sem relutância que abri mão da noite em casa para acompanhar minhas amiguinhas sapatões em mais uma noite de inverno candango. Normalmente eu repreendo acima de qualquer circunstância uma tomada de decisões depois de uma panela de brigadeiro de maconha, mas deixo bem claro que em caso de pouco risco vale a pena reconsiderar o movimento e simplesmente embarcar no chamado da vida. Coisa engraçada sobre a vida é que você pega logo o jeito de reconhecer aquilo que você deve fazer e aquilo que você quer fazer. Mas qualquer coisa que você pega logo está fadada a não ser levada a sério. Tudo é muito caótico, muito desregrado pra fazer sentido, mas se fizer sentido pra você é bom guardar e não se preocupar com o que faz sentido pra outro, já que sua vida não é a de outro. Pura física, dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço.

O brigadeiro de maconha derrubou elas durante esses pensamentos, mas eu continuei firme e forte na luta. Kari dormiu com Marina na cama desta, enquanto suas amigas, que no fim das contas eram um casal, foram pro chuveiro tomar um banho e só saíram quando a noitinha já tinha caído, acordando Marina e Kari. Eu me perdi nessa parte, lembro de ter ficado no computador montando uma playlist no youtube pra palar e de repente era noite alta, quase 9 horas. Coisa engraçada sobre saturar seu corpo de thc: o tempo ganha uma vontade própria. Nesse dia o tempo trabalhou a meu favor, pulando a parte do tempo em que fiquei em repouso como se fosse um piscar de olhos. Num momento eu estava mais louco que o Lobão, deixando uma panela na pia, pisquei os olhos e estava arrumado para uma festa que tinha prometido a mim mesmo que não iria algumas horas antes, enquanto Marina tomava um banho. Pesquisei a playlist no youtube e vi coisas como Wilco, The Cure, Broken Social Scene e novamente praguejei minha falta de senso sobre aqueces para festas. Estava subconscientemente broxado e sabia disso, mas era tarde demais para reclamar. Os ingressos haviam sido comprados, não lembro bem como, só precisávamos estar bêbados o suficiente para começar uma festa. E olha, nos esforçamos pra isso.

Eu vejo muito por aí das pessoas tomarem precauções quanto à bebida, educarem a população sobre um uso consciente, falarem dos riscos, mas isso sempre soa como coisa de gente que não bebe. E gente que não bebe não merece confiança, guardem isso como dica. Porquê quem bebe não tem porquê temer a bebida, sabe que vai encontrar com ela de uma forma ou de outra e procura sempre fazer o melhor possível a partir do inevitável. E uns podem argumentar que a vida fica melhor de ser curtida com a sobriedade e o ônus que ela traz. Novamente, acho isso papo de gente que não bebe. A primeira vez que você fica bêbado, não a primeira vez que você bebe, deixam bem claro a razão de em cinco mil anos de civilização ocidental, não ter um canto do planeta que não tenha sua bebida típica. Hoje em dia as pessoas privam outras pessoas de sua liberdade de ir e vir, mas não de tomar um porre. Tendo um mato pra apodrecer e tendo gente por perto, invariavelmente vai haver uma bebida. Deve haver uma razão maior pra isso, sei lá, mas não ache que precise de uma melhor que o fato de que uma boa bebedeira é boa pra caralho.

  • Ô B, rola um daqueles suquinho de maracujá de garrafinha, pra misturar em água. Tô pensando em misturar direto na vodka.

  • Eu faço o meu relaxa.

  • Faz um pra mim também?

  • Olha Marina, você sabe que eu não sei brincar de beber de boa.

  • Eu sei.

Fiz apenas dois copos, um pra mim e um pra ela. Fiz questão de aliviar a barra dela com a bebida, se você pegar muito forte com a guria ela apaga e não tem choro nem vela que ressuscite ela até o terceiro dia. Mas no meu só coloquei mesmo vodka e o suficiente de um concentrado de maracujá para disfarçar o gosto da vodka pura. Devia ter mais álcool no meu copo que numa garrafa inteira dessas misturas industriais que andam fazendo e vendendo no mercado pelo mesmo preço da bebida pura. Não sejam enganados, pessoas. Caipirinha, capiroska, caipi o caralho que for, tem que ser feito com a fruta, se quiser sabor artificial na sua vodka, beba com refrigerante. Ou compra logo uma ice, que não deixa de ser um refrigerante de cana.

Juntamos os rostos conhecidos na cozinha e trocamos uma ideia legal sobre uma DJ da festa que havia participado de um programa de TV super famoso, sobre as pessoas que iríamos encontrar, algumas das quais poderia rolar uma pequena tensão e, enfim, sobre as ideias para aturar a festa.

  • A gente vai fumar um antes ou lá na festa mesmo?

  • Não Kari, chega de maconha, vamo só beber.

  • Uai, você não quer, mas e o povo? Luca?

  • Eu tô de boa. Por mim tanto faz.

  • Basílio?

  • Vamo levar bolado, mas a gente deixa pra fumar lá. Tomar cuidado com o cheiro aqui né?

  • Beleza.

Fiz mais um copo de vodka nessa hora pra mim e estranhamente a garrafa já estava querendo ir embora. Eu tinha a impressão de que as meninas estavam bebendo cerveja, mas não tem como eu ter bebido aquela garrafa quase toda com meus dois copos e o da Marina. Eu mesmo tinha aberto ela! E Gabriel já havia vazado, não lembro bem quando, então só tinha mesmo a gente pra beber. Melhor que eu fazia era continuar lidando com meu copo que a resposta surgiria.

Eram uma hora mais menos e eu estava na porta da festa. Tem pouco de discernível sobre como cheguei lá, lembro de uma pequena aventura nos 5 minutos de carro da casa de Marina até a festa, mas lembro que acabamos acendendo o primeiro dentro do carro mesmo. Tivemos que ir andando até a casa de Kari para chegar no carro e nos arrumamos por volta de onze horas, mas exigir mais que isso é muito agora. Eu tinha um copo na mão, embora não saiba bem qual o seu número na contagem da noite. Curava a boca seca do beck com aquela vodka temperada, abrindo mão por completo do meu pequeno guia de boa sorte. A noite ainda duraria muito e eu era o que menos tinha poupado combustível, precisava abastecer o tanque.

Preciso dizer em minha defesa que há um certo rol de prioridades para uma boa noite, sendo a regra capital solitária: sempre dure o máximo que puder, custe o que custar. Você nunca sabe quando vai acontecer algo que você gostaria de ter vivido, então é sempre bom fazer o possível disponível que te deixe de pé quando a vida chamar.

Dito isso, ficamos do lado de fora bebendo mais um pouco, dessa vez alguma coisa com energético que nunca cheguei a perguntar o que era. Quandro cruzei as roletas para entrar na tenda onde rolava a festa, já tava rangendo os dentes de tanto álcool e energético brigando no meu sistema. Essa briga interna é o melhor fogo criado pela humanidade para mover as engrenagens do seu corpo durante uma festa, não importa quantos dígitos tenha o número de participantes. Se for 2, 3, 4, quanto mais dígitos, melhor a conexão que álcool e energético fazem. É tanta gente cuidando de seus assuntos ali que você tem liberdade do anonimato e insanidade da horda alimentada pelas batidas como válvula de escape até o sol nascer ou as luzes se acenderem para liberar toda a energia que o dia a dia te força a engolir com farinha goela abaixo enquanto entra numa esteira de produção de sua historinha que será contada quando você se for. Com a festa certa, todos são protagonistas por pelo menos algumas horas.

Na minha história, encontrei uns amigos da faculdade logo depois da roleta e fui cumprimentá-los apenas pra me perder deles até o fim da festa. Já chego lá. O pessoal da faculdade estava já no grau também, menos uma amiga minha com a qual tinha uma relação já bem gostosinha. Saímos então para ajudá-la a correr atrás do prejuízo, parando perto do bar e conversando enquanto bebíamos nossas cervejas. Acabou que eu e ela nos perdemos do resto da galera. Eu estava bêbado como um gambá, mas senti que deveria fazer algo a respeito e comecei a circular pela horda esperando encontrar algum rosto conhecido que estava comigo no começo da noite fora. Péssima ideia, já que além do estrobo dar dor de cabeça em qualquer ser humano que tente focar algo bombardeado pela luz, as pessoas estava dançando tão amontoadas que minha melhor chance de encontrar alguém ali era pelo cabelo.

Depois de uma caminhada mal sucedida, paramos num canto fora da tenda para descansar. Tentei ligar para algumas pessoas pra ver se daria para nos encontrarmos, mas se você já experimentou ligar para alguém no meio de uma festa para milhares de pessoas deve saber como foi o resultado. Sentamos um pouco e esperamos pacientemente pelo chamado da vida. O chamado veio na forma do cara que eu estava gostando, um lance que teve vários empecilhos, entre os quais a heterossexualidade dele. Nem pudemos conversar muito, ele tava indo ajudar uma amiga que estava passando mal, mas só de ter sido visto por ele no meio daquela muvuca e dele ter feito uma amiga dando pt esperar enquanto ele me cumprimentava e prometia me procurar novamente, meu ânimo já se renovou. Acendi um cigarro pra dar uma acalmada no álcool e no nervosismo, pois por mais que soubesse que disfarçar era inútil, ainda queria que ele me visse da melhor forma possível. E não, não seria bêbado, fumado e olhando nos olhos da pessoa que eu gosto que eu raciocinaria melhor. Nem sóbrio alguém tem essa capacidade.

O guri se mandou depois de algo entre 5 minutos e uma eternidade para ajudar a amiga vomitando e eu voltei a cuidar dos meus assuntos, lembrando que tinha arrastado comigo uma amiga para o nada legal dever de me acompanhar bêbado. Resolvi então começar um papo sobre o cara, já que minha amiga sabia de toda a minha história com ele. Pra qualquer um olhando de fora eu tenho certeza de que eu parecia um babaca gastando tanto tempo numa história que seguramente não vingaria, era visível até nos rostos das pessoas que já estavam saturados dessa história, que havia começado lá pra fevereiro. Pra mim era só bom pra caralho sentir isso por alguém pelo menos uma vez na vida. Se levou mais de vinte anos pra isso, que pena. Não me importaria de ser o adolescente do grupo novamente por algum tempo se isso significasse me sentir tão bem por causa de alguém.

No meio dessa conversa inclusive que surgiu a primeira coisa inesperada da noite. Um brasileiro que tinha acabado de voltar da austrália pediu um cigarro pra mim, que entreguei de pronto. O cara era lindo, com uma voz forte ainda com sotaque estranho, parecia um carioca que passou muito tempo fora. Ficava o tempo todo perguntando por palavras em português, algo tosco na real mas que deve ser divertido se estiver conversando com alguém que estuda a língua, como eu. Ele tava dando corda mesmo era pra minha amiga, mas pra minha sorte ela era lésbica na época. Tinha uma mania de conversar tocando, coisa de broder, mas deu pra ver que o cara tinha uma pegada boa. E pra completar o pacote, o cara tacou fogo no papelzinho do cigarro, espalhou o tabaco numa mão e começou a retirar de uma bola de haxixe que guardava num pingente no pescoço o suficiente para um beck, e uns 15 reais a mais de haxixe que me deu em troca do cigarro. Já estava abrindo as pernas pro cara nessa hora, minha amiga fazendo o possível pro cara continuar interessado em uma putaria com o papo e eu botando pilha. Não sei se eu estava bêbado demais, mas até que torci pra minha amiga ficar com ele. Meio caminho pra pegar um hétero é deixar ele no ponto, algo que infelizmente como homem não rola deu fazer por conta própria.

A primeira parte foi fácil, mantivemos o cara interessado até o beck ficar pronto. Daí em diante só o que eu podia fazer era esperar o haxixe bater e o cara se sentir louco o suficiente para começar a pensar de forma mais imediata sobre o que ele queria. O cara gostava de falar da vida dele na austrália, das drogas de lá, das mulheres de lá, das festas de lá, mas era tanto eu que comecei a pensar se ele falava da austrália ou dele mesmo. Um narcisista de primeira. Notei que a atenção estava caindo demais da gente pra ele mesmo, e embora narcisistas amem a si mesmos, não dá pra imaginar que uma dose saudável de narcisismo onde a pessoa se excite consigo mesma. E como bêbado não tem pudores e excitados não tem limites, falei pro cara não pegar muito na minha amiga que eu tava enciumado e vestimos eu e Carol a fantasia de namorados, uma gracinha particular nossa. Erra arriscado, já havia deixado bem claro o que eu queria com ele. Mas novamente, o cara estava apenas sendo protagonista de sua história e aparentemente caiu no conto do casal. E gostou. O papo voltou a ficar sacana.

E é uma pena que pouco depois do beck terminar eu tenha uma vaga memória dos momentos seguintes, mas lembro que uns amigos do cara brotaram do nada, o cara até começou a bolar outro mas por alguma razão Carol e eu saímos pro meio da muvuca pra dançar. Sei que eram algo como 3 e pouco quando estava com ela na pista de dança com o pessoal da facu, incluindo o cara. Na minha cabeça eu dançava como se não houvesse amanhã, mas pelos olhares dele eu devia estar quase parado. A amiga dele estava num grupo de amigos dele próximo ao nosso grupo, já recuperada e dançando também. Ele já tinha ficado com duas amigas minhas e ela naquela noite, mas como eu sabia disso era uma incógnita. Gostava de gravar as coisas sobre esse cara nesse nível. Ele veio pro meu lado e começou a trombar em mim durante a dança de brincadeira.

  • Meu, olha meu estado, eu vou cair aqui.

  • Nada, olha pra mim.

Eu faria isso pelo resto da noite se ele deixasse.

  • Já catou quantas?

  • Ah, acho que umas três, mas não sei.

Ele riu. Eu até aguento saber dessas coisas contanto que venham acompanhadas do lado alegre dele. As paixões que tive antes dele eram diferentes. Bem, tirando uma paixão por uma guria que tive na faculdade. Mas por caras, todas sempre vieram com a sensação de que não vingaria, já que eu sempre demorava pra engatar as paixões e sempre pensava demais, erro que devo continuar cometendo até o fim da minha vida. Mas ele não, com ele tudo que eu sentia era que valia a pena gostar dele, sentir aquilo por ele. Mesmo que nunca fosse vingar, ele simplesmente merecia que alguém sentisse por ele o que eu sentia pela pessoa que ele era. Era como se cada coisa que fizesse dele a pessoa que ele é me agradasse profundamente, mas não do tipo que você desejaria ser igual. Do tipo que você deseja ter por perto sempre que der.

Provavelmente por ficar pensando demais nisso ao invés de fazer algo que viesse a manter ele com a gente, ele falou que iria voltar pros amigos e foi meio que nossa despedida. Naquela noite eu não voltaria a vê-lo. Já era mais de três e meia e nem sinal das minhas sapatões, aquilo começou a me perturbar, já que a festa parecia mais cheia que nunca. Falei pro pessoal da faculdade que iria pro bar e, sob protestos, segui acompanhado de uma amiga minha que estava mais sóbria atrás não do bar, mas das moças. Minha amiga estava o tempo inteiro sugerindo que eu fosse no banheiro pra ficar melhor, na cabeça dela eu precisava me livrar de pelo menos um pouco do álcool no meu corpo antes de colocar mais. E isso tava me deixando enjoado pra caralho. Olha, você não fala prum cara que precisa mijar sobre como ele vai ficar melhor se ele der uma mijada porque ele pode acabar mijando nas calças, por que falar sobre vômito prum cara que tá vendo tudo rodando?

Eu sabia que aquilo era pro meu bem, então entrei no banheiro enquanto minha amiga me esperava do lado de fora. Eis que lá estava o australiano, no mictório. Parei na frente do espelho e comecei a molhar o rosto pra ver se melhorava um pouco. Meus olhos estavam vermelhos como pimentão, meu cabelo pingava, uma bagunça completa. O cara veio do meu lado lavar as mãos e começamos um papo. Perguntei se ele tinha visto minha namorada e ele disse que não. Disse que os amigos dele tinham se separado e ele já estava pensando em ir embora, mas eu ainda tinha um beck sobrando no meu maço, então falei que estava atrás dela pra fumar umzinho, se ele quisesse podia vir junto.

Saí dispensando minha amiga sutilmente e comecei a procurar minha namorada pela muvuca. Como eu sabia onde ela estava, rodei com o cara por vários lugares que não fossem aquele antes de parar num canto da festa clamando desistência.

  • Você não fica preocupado de largar sua mina sozinha nessa festa?

  • Cara, se eu me preocupasse com algo eu não tava louco assim.

Ele riu. Mas uma risada de “Que cara louco”, não uma sobre o assunto.

  • Cara, sua namorada é linda.

  • É, ouço isso bastante.

  • Mas, olha, não fica irritado, eu achei que tu fosse gay.

  • Ah é?

  • Cara, tu falou de homem já.

  • Eu curto pegar homem, ué.

  • Mas namora mulher?

  • Eu curto pegar mulher ué.

  • Acho isso muito confuso.

  • Deve ser se você pensar sobre, mas eu prefiro não pensar.

  • Ah, é estranho. Eu não me vejo pegando um cara pra valer.

Esse pra valer soou como música pros meus ouvidos. Peguei o beck do meu maço e taquei fogo, enquanto o cara conversava sobre como gostava de mulheres, sobre o que gostava de fazer com mulheres, ainda louco e fumando mais. Eu comecei a falar das minhas três experiências com mulheres como se tivessem sido bem mais. Logo o cara estava visivelmente excitado, e não é de um brilho nos olhos que estou falando. Essa foi provavelmente uma das conversões mais fáceis que já executei na vida.

Demos uns amassos no fumódromo improvisado da festa por um tempo gostosinho, mas o hálito do cara tinha tanto álcool que mais rápido do que eu queria tive que seguir o conselho da minha amiga. Pra mim, que fico com caras, era de boa pedir um tempo técnico. Mas prum cara no armário tendo uma experiência oculta com um cara numa festa deve ter sido difícil de digerir o “Cara, tô mal, preciso ir no banheiro”, algo que só notei o grau de escrotice depois que melhorei. Crocodilo Dundee me seguiu até a porta do banheiro, mas encontrou os amigos no bebedouro próximo aos banheiros e lá mesmo se despediu de mim. Eu pedi o número dele com a desculpa de querer mais do haxixe dele, mas nunca cheguei a salvar na minha agenda. Na real ele era uma delícia, mas o papo dele era de um completo babaca, então já tinha feito uma troca mais que satisfatória para ambos.

Depois de uma melhora providencial numa das cabines, aproveitei o espaço pra ligar pras minhas mocinhas atrás de informações. Não consegui entender meia sentença no meio da barulheira que vinha do outro lado da linha, mas gravei um ponto de referência e lá fiz uma busca bem sucedida pelo grupo, agora amplo com a adição da galera do enérgico da porta da festa, um amigo nosso ainda menor de idade e duas gurias que não conhecia. Fui recebido com um singelo coro de CADÊ O BECK que foi a deixa perfeita para compartilhar a história do australiano. Geral só gravou a parte dos 15 reais de haxixe e por algum motivo eu tinha maconha não bolada comigo. Procuramos uma seda na festa, algo resolvido rápido no fumódromo, e lá ficamos conversando enquanto eu tentava bolar com as mãos trêmulas e suadas. Há uma razão muito óbvia no fato de pagarmos por maços prontos e não por tabaco e folhas a maior parte do tempo.

Bolei a maconha, e não o haxixe. Lidar com haxixe no meu estado seria muito prejuízo, não por ser mais difícil, mas por eu ter menos prática mesmo. A luz fraca dos postes da rua do outro lado do muro da festa eram bem melhores que o estrobo dentro da tenda, mas ainda assim aquele laranja com preto era incômodo para lidar com algo preciso. Fora que a música da DJ famosa reverberava em cada ponto do meu corpo, incluindo o beck, que agora era parte dele. Perdi uns vinte minutos bolando, quinze dos quais apenas olhando a maconha pulando na seda como aqueles gráficos de barras em rádios. Essas pequenas coisas nunca deixam de divertir quando acompanhadas pela dose certa de thc, daí a fama de maconheiro ser relapso. Mas não é tanto uma falta de foco mais do que é uma visão melhor da grande figura dos eventos. Ao invés de parar na visão do quadro todo, você consegue se perder no tanto que os pequenos detalhes são interessantes. Na verdade é como gosto de ver as coisas quando sóbrio também, embora seja bem mais desgastante que divertido sóbrio do que não sóbrio. Terminei o beck precisamente às 4:26, mas tenho certeza que já pode me perdoar por esse pequeno atraso.

  • É o de haxixe?

  • Não gente, deixa pra volta o de haxixe.

  • Ah, mão de vaca.

  • Uai, num tem como eu querer bolar isso aqui gente...

  • Relaxa, é só brincadeira.

Estávamos fumando tranquilamente, cuidando de nossos assuntos, quando as luzes acenderam. Meu primeiro impulso foi o de conferir as horas, mas o beck ainda nem tinha acabado então sabia que não tinha ficado tão louco que apaguei por mais algumas horas. E o sol também estava escuro. Marina ficou mais perdida que eu, achando por uns segundos que tinha amanhecido. Kari, Luca e Débora, as meninas que estavam com a gente no ap, riram dessa história até o feriadão forçado acabar. Guto, o menor de idade, nem notou o lapso de Marina enquanto falava comigo sobre suas perspectivas para quando entrasse na UnB, mas depois engrossou o coro do riso. As gurias que ainda não conhecia estavam num papo particular que Kari logo entrou. A festa tinha acabado no local, mas pra gente ainda tinha muito combustível pra gastar.

Estávamos todos incapacitados de tomar decisões perigosas, mas Brasília é uma cidade que sempre facilita a vida nessas horas. Com vias largas e rotas que você consegue gravar subconscientemente, você tem que se esforçar muito para estar louco o suficiente para oferecer risco nas altas horas da madrugada de ruas amplas vazias. Pensando bem, Brasília é como uma enorme festa no ponto em que, com tanta gente que volta e vai, com tanto espaço aberto vazio, com tantas caras inusitadas e com tanta coisa acontecendo se você souber prestar atenção, não consigo imaginar uma cidade mais preparada para te fazer se sentir o protagonista de algo grande, mesmo que esse algo grande seja apenas sua vidinha mais ou menos. Ao menos era assim que me sentia dentro de um carro com oito pessoas dirigindo solitário no coração da capital do país acompanhado apenas pelo concreto, as árvores e o asfalto.

Descemos do carro e o beck de haxixe já estava bolado, deve ter ocorrido entre a saída da festa e a saída da UnB, já que com Guto no meu colo ficava impossível bolar. Fomos caminhando até um posto de gasolina que ainda estava aberto enquanto queimávamos mais thc apenas porque havia mais. Com o tabaco usado pra queimar o haxixe, ninguém ali parecia se preocupar com o cheiro. Ignorando os olhos vermelhos, o hálito de álcool e o fato de ter um menor no grupo, entramos no posto com a luz do sol começando a escalar o breu da noite, curtindo o friozinho do amanhecer típico de Agosto. A fome era avassaladora, não ficamos nem cinco minutos no posto até devorar os sanduíches e o que mais tenham comprado. Pegamos mais um engradado de cerveja, já que não havia mais nenhuma na casa de Marina e fomos os oito até o prédio dela, com as roupas amassadas, os cabelos desgrenhados, os olhos vermelhos, a fala embolada e um sorriso no rosto por saber que no fim das contas a noite tinha sido a melhor possível.

  • Cara, você num escreve? Podia algum dia escrever sobre isso.

  • É... quem sabe?